quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Diálogo com o anjo

da retaguarda

Gilson Cavalcante

Um anjo me soprou no ouvido
que as coisas líquidas são
mais fáceis de serem engolidas.

Só me esqueceu de dizer
como lidar com a ausência
e o seu calendário pontiagudo.

Sei que o hálito das manhãs
me enlouquece e esqueço
que sou feito de osso, sangue
e gemido. E grito.

O mesmo anjo ventilou
suas asas em meus olhos
e me tangeu para a vertigem dos abismos.

Quis ele que eu fosse palhaço
e roubou meu sorriso
e me vestiu de andrajos.

Vago, vago por aí
à procura de trapézios
e do conteúdo das coisas adiadas.

A árvore da volúpia
me despiu dos pecados.

Sou a solidão do que esclareço
e nego. O que mais querem de mim
senão a ferrugem do punhal
na jugular do poeta?

Quero uns olhos
emprestados pra chorar.

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